CRÍTICA

14/01/2016_CINEMAXUNGA 


Lei da Gravidade (2014)


21/04/2015_REVISTA ECHINOX 


As curtas-metragens projectadas na sessão Sobre Vida e Cinema do festival ClujShorts problematizam não só a relação entre a vida (a realidade) e o cinema (a ficção), mas também o conceito de filme do ponto de vista dos procedimentos usados na criação deste.

Assim, os espectadores assistiram a interpretações cinematográficas acerca de várias ditos célebres, como por exemplo a frase de Jean-Luc Godard (“All you need to make a movie is a gun and a girl”)*

Breno Moreira usa as palavras de Godard para transformar em realidade o seu próprio projecto Ain´t No Bad Directing When You Shoot Pretty Girls. Depois, Lei da Gravidade, realizado por Tiago Rosa-Rosso, vai na direção oposta deste dito, tentando demonstrar que a narração que nasce da associação dos dois elementos, uma rapariga e uma arma, não é suficiente nem necessária para fazer um filme.
Moreira usa a famosa frase como ponto de partida para a desconstrução experimental das técnicas de filmagem, chegando à conclusão que um filme pode ser realizado com qualquer meio disponível.

Se no principio, a câmara é incendiada exactamente com o objectivo de introduzir os espectadores naquilo que se quer que seja o experimento do experimento de desconstrução, no final, aquilo que parece ser a cadeira do realizador, arde de modo ritualista, exprimindo  que a ideia da presença do realizador no filme, como a presença de qualquer realizador na sua obra, é apenas uma recordação de um passado comum com o do próprio filme. A voz de Moreira é a que narra durante o filme inteiro, e nos guia o olhar e a atenção proporcional à visão do criador, assim que nos encontramos a ouvi-lo explicando-nos os diferentes procedimentos da captação dum momento, mas não quer de nenhuma forma oferecer-nos um plano inteiro de si mesmo, transformando-se numa presença ficcional, quase etérea.
O meta discurso do filme, mesmo num fundo de radiografia experimental, mostra não só que podemos fazer um filme de qualquer coisa, mas também que uma das virtudes do cinema é a possibilidade de reinvestir, de ponto de vista ontológico, qualquer forma ou qualquer elemento do real, filtrados pela subjectividade do autor. Por isso, o autor do filme, mais que usar aquilo que tem, está cem por cento consciente daquilo que a realidade lhe oferece.

Lei da Gravidade trata quase de uma forma existencial o cinema per se. Aqui, as imagens criam um ensaio visual sobre a intriga fílmica e/ou a ausência desta. Duas personagens conversam, imaginam e fantasiam à margem da questão propriamente dita, que é, precisamente o filme em que se encontram. O tempo e a eventual acção são suspensas e desperdiçadas para criar espaço ao discurso ficcional. A elipse do queimar da narrativa ou da acção é evidenciada pelas múltiplas tentativas de acendimento de um isqueiro, só para vir a apagá-lo depois, mas responsável por isto é a metade apática da dupla. A intriga baseada nos dois elementos necessários à produção cinematográfica (uma miúda e uma pistola) é possível apenas como saída imaginativa do personagem contemplativo. Depois deste desenrolar mental, o personagem toma a decisão de ligar ao criador ("seu pastor") mas na falta de crédito para uma conversa metafísica, consegue apenas escrever uma mensagem sobre aquilo que é necessário para realizar um filme.

O plano predominante é o plano fixo que permite ao espectador distribuir voluntariamente a atenção, mas também a emergência dum espaço de acontecimento de diálogo, que se transforma no personagem principal da curta. Aquilo-que-vemos e ao mesmo tempo aquilo-que-vemos aquilo-que-está-escondido. O sentido das imagens, das palavras, dos personagens e dos filmes são profundos, alternando entre palpável e meta-palpável, mas fixando-se em nenhum destes.

Ambas as produções são atravessadas por um ar do passado, da ausência, do escondido, do insólito, ou do infinito. Estas categorias funcionam como o presente porque são imaginadas pelo espectador enquanto visiona as curtas metragens, e desta forma a ficção volta às suas origens, ou seja ao real, para influenciar ou enriquecer as interpretações do filme.

*Nota do Produtor - Esta frase tida muitas vezes como de Godard é por sua vez baseada na frase de D.W. Griffith "What do filmgoers want? - A girl and a gun."

Tradução de Alexandra Voicu

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